sexta-feira, 23 de abril de 2010

A morte do Bocage

Maria Francisca era a irmã do Bocage. Foi talvez a única
constante positiva ao longo da sua curta vida. Não chegou
todavia para compensar os terríveis vícios que causaram
a morte prematura do repentista. Putas, rameiras, galdérias,
umas prostitutas de vez em quando para variar o sabor da
carne, ponche de alguidar, genebra de garrafa fiada, tabaco
incrustado nos brônquios, tudo acossou o poeta para um triste
fim onde as dívidas lhe forravam a almofada.


Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua orgia dana.

Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, oh Deus!... Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.

Ilustração tirada de Chamo-me... Bocage (Editora Didáctica)